Modalidade de crédito permite o uso do FGTS, mas demora para formação de grupo de compradores pode deixar negócio mais caro.

 

Para quem sonha com a casa própria, quer comprar um imóvel de baixo padrão usando o FGTS e financiar o imóvel em pequenas parcelas, o crédito associativo pode ser uma boa opção. Especialistas afirmam, no entanto, que o consumidor precisa ficar atento a riscos e armadilhas.

"Nos estandes de vendas, os corretores não sabem explicar o que é crédito associativo. Se explicassem, muitos compradores pensariam duas vezes", afirma o advogado especialista em direito imobiliário Ivan Mercadante Boscardin, sócio do escritório Mercadante Advogados.

O crédito associativo funciona da seguinte forma: uma entidade organizadora, que na maioria das vezes é uma incorporadora, organiza um grupo de compradores para o empreendimento que pretende construir em determinado local. Quando consegue um número mínimo de compradores para tornar o negócio viável, é firmado um contrato com uma instituição financeira, que é quem oferece o crédito para a construção do imóvel.

Na modalidade, o crédito é concedido ao comprador do imóvel, e não a incorporadora. O comprador se responsabiliza pelo financiamento e o dinheiro é liberado em fases para a incorporadora no decorrer da construção do empreendimento.

"Quando a pessoa compra esse imóvel na planta, paga de 10% a 20% do valor para a incorporadora, mas já assina o contrato de financiamento perante o banco durante a fase construtiva. Isso é diferente em relação a outros contratos. Em um contrato comum, o comprador financia o imóvel no final da construção, quando o empreendimento está pronto", explica Mercadante.

Ou seja: quando você vai a um estande de vendas para comprar um imóvel na planta, negocia a entrada com a incorporadora e só financia o saldo devedor depois que o imóvel é entregue. No crédito associativo, você assina o contrato de financiamento quando o imóvel ainda não começou a ser construído. Só com uma determinada quantidade de contratos assinados é que o empreendimento começa a ser erguido.

A vantagem é que, durante a construção do imóvel, o mutuário paga apenas os juros referentes ao repasse à incorporadora e as parcelas da entrada do imóvel. Só depois que pega as chaves é que ele começa a amortizar o financiamento. 

Escritura mais barata

Além disso, as despesas com escritura e registro do imóvel são menores, já que o valor é calculado sobre a fração do terreno; as taxas de juros são reduzidas - de 5% a 8,16% ao ano, com taxas diferentes se o imóvel estiver dentro ou fora do Minha Casa, Minha Vida -; e o comprador pode utilizar os recursos do FGTS no financiamento.

Na Caixa, incorporadora e compradores precisam seguir determinados requisitos para poder utilizar o crédito associativo. Os compradores precisam, por exemplo, ter renda familiar mínima de R$465 e máxima de R$ 5.400 nos financiamentos vinculados a imóveis situados em municípios integrantes de regiões metropolitanas ou equivalentes, municípios-sede de capitais estaduais, ou municípios com população igual ou superior a 250.000 habitantes – em outros municípios, a renda máxima é de R$4.300.

Já as incorporadoras precisam confirmar a viabilidade técnica de engenharia do empreendimento e se submeter à análise de risco e aprovação do cadastro, entre outros critérios. Segundo determinações do Ministério das Cidades e do Conselho Curador do FGTS, o valor do custo total do imóvel deve ser de até R$ 190 mil.

Segundo o banco estatal, foram contratados 76 empreendimentos em 2013 e 21 em 2014, com total de 5.435 unidades nos últimos dois anos.

Grandes construtoras, como MRV, utilizam a modalidade. Em seu site, a MRV afirma que o crédito associativo diminui a necessidade de capital de giro da empresa e que "além disso, este financiamento não consta como dívida no balanço, sendo esta a modalidade mais interessante para Companhia do ponto de vista de fluxo de caixa, e de risco de crédito, sendo a mais utilizada pela Companhia durante o ano de 2011".

Tempo indeterminado para a construção do imóvel

"Quem entra no crédito associativo precisa ter em mente que não há prazo máximo para o início da construção do imóvel", diz Mercadante.

Segundo Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, sócio do escritório Tapai Advogados, a economia retraída pode tornar a espera mais longa. "O que costuma se dizer no stand é que a entrega do imóvel demora 24 meses contados a partir de três meses. Eles dão uma ideia otimista de que um grupo de compradores será formado em três meses. Acontece que, com o mercado mais retraído, a formação desses grupos pode demorar até um ano e meio", conta.

O problema é que, segundo Tapai, quando o comprador negocia o pagamento de uma parte do valor do imóvel diretamente à construtora, seu saldo devedor é reajustado pelo INCC até a assinatura do contrato com o banco. "O INCC é o maior índice inflacionário do País. Se a assinatura do contrato demora dois anos, são dois anos do valor sendo inflacionado, sem o comprador usufruir do imóvel", diz Tapai.

Quando o contrato é assinado, no entanto, o reajuste pelo índice deve cessar.

Guilherme Giacobini, de 25 anos, comprou em junho de 2011 um apartamento da construtora Qualyfast, em Guarulhos. A promessa era de que o imóvel fosse entregue em 12 meses.

"Com essa data em mente, marcamos a data do nosso casamento para setembro de 2012. Mas a obra não saiu do chão. Nos casamos e tivemos que procurar uma casa para alugar de emergência. Nossa filha nasceu e nem pudemos fazer o quarto dela", conta.

Giacobini e os outros futuros moradores do empreendimento só vieram a assinar o contrato com a Caixa em 2013. O reajuste do INCC no período, conta ele, foi de quase R$ 30 mil. 

Pagamento de saldo residual

Tapai também explica que, quando o contrato com o banco é assinado, a incorporadora precisa dar ao comprador um termo de quitação de dívida, deixando claro que a dívida do consumidor passa a ser com o banco, que repassará o dinheiro para a construção do empreendimento. Como muitas vezes ainda resta ao comprador o pagamento da entrada do imóvel, que é paga diretamente à incorporadora, ele precisa assinar um termo de confissão dívida, atestando o que ainda precisa pagar a ela.

Valores "escondidos"

"Você confessa que deve, por exemplo, 10 parcelas de R$ 500, que serão reajustadas por determinado índice. A pegadinha é que, no meio disso, de forma escondida, há uma cláusula que diz que o comprador precisa pagar para à construtora, no final da construção, a diferença entre o valor repassado pela Caixa e o valor que seria repassado caso houvesse reajuste pelo INCC. É o que chamamos de resíduo", diz Tapai.

Giacobini conta que recebia todo mês um boleto com o valor referente a essa diferença. "Pelas minhas contas, até eu descobrir que era ilegal e deixar de pagar, foram cerca de R$ 5 mil em INCC", afirma.

A obra atrasou? Consumidor não pode pagar mais por isso

Quando o acordo entre a incorporadora e o banco que financiará a obra é firmado, é acordado um cronograma para a construção do imóvel. Durante o período de edificação, os consumidores pagam ao banco os juros sobre o valor repassado à incorporadora, a chamada "taxa de obra". No entanto, caso haja atraso na entrega do empreendimento, o consumidor não deve mais arcar com essa taxa.

Mercadante explica que, se o cronograma não for cumprido, o consumidor pode pedir na Justiça o ressarcimento dos juros pados após a data em que o imóvel deveria estar pronto e entregue.

Giacobini conta que, no caso do condomínio Parque América, em Guarulhos, a Caixa prolongou o prazo de construção da obra duas vezes, até janeiro de 2015. No início da fase de construção, ele pagava cerca de R$ 90 por mês referente a taxa. Hoje, ele afirma que paga quase R$ 800. "Isso tudo está no processo que estamos movendo contra a incorporadora. Queremos ser ressarcidos pelo que pagamos depois de junho de 2012. Se o juiz entender o prolongamento da obra como certo, queremos de volta o que estamos pagando desde mês passado", explica.

Ele continua arcando com a taxa porque, enquanto não entregarem a chave para todos os compradores, a Caixa não fornece o Habite-se para o empreendimento. "Eles já entregaram a chave para quem não abriu processo contra eles. Eu e mais quatro casais nos unimos para processá-los, e ficamos sem. Há um movimento deles de dizer que, se retirarmos o processo, eles entregam o imóvel, mas não vamos fazer isso", conta Giacobini.

Além disso, Giacobini conta que muitos dos apartamentos entregues têm problemas estruturais e que a construção de algumas torres que estavam no projeto inicial foi cancelada. "Parece que, para não pagarem multa por atraso para a Caixa, eles entregaram os prédios de qualquer jeito."

Banco tem culpa?

Outra discussão levantada pelos advogados é sobre a responsabilidade do banco e da incorporadora no caso de atrasao. Para Mercadante, a responsabilidade é solidária. "Legalmente, o banco tem responsabilidade solidária, ele fiscaliza o andamento das obras. Mas, judicialmente, você não pode acionar o banco pelo atraso, apenas a incorporadora", explica.

A Qualyfast não foi encontrada pela reportagem até o fechamento desta matéria. Já a Caixa não se pronunciou sobre a responsabilidade do banco em caso de atrasos nas obras.